Missão histórica da Blue Origin com Katy Perry levanta debate sobre turismo espacial, inclusão feminina e marketing de bilionários

A missão NS-31 da Blue Origin, realizada na segunda-feira (14), ganhou destaque mundial por levar ao espaço a primeira tripulação composta exclusivamente por mulheres em um voo comercial. A bordo estavam a cantora Katy Perry, a jornalista Gayle King, a ex-cientista da NASA Aisha Bowe, a ativista Amanda Nguyen, a produtora Kerianne Flynn e Lauren Sánchez, noiva de Jeff Bezos, fundador da empresa. O voo suborbital durou 11 minutos e atingiu uma altitude de cerca de 106 quilômetros, cruzando a chamada linha de Kármán — fronteira simbólica entre a Terra e o espaço.

Apesar da celebração em torno do feito inédito, o lançamento gerou forte reação negativa nas redes sociais e na mídia especializada, expondo um embate entre os discursos de empoderamento e inclusão feminina no espaço e as críticas ao elitismo e ao uso de celebridades em ações de marketing.

Um marco feminino no espaço?

Para os defensores da missão, o voo representa um símbolo de inspiração para meninas e mulheres ao redor do mundo. Katy Perry declarou que sua ida ao espaço foi “para as mulheres do futuro”, e cantou What a Wonderful World, de Louis Armstrong, durante a viagem. Lauren Sánchez afirmou que o objetivo era “abrir caminho para outras mulheres”, ressaltando a representatividade da tripulação.

A presença de nomes como Aisha Bowe e Amanda Nguyen também foi apontada como um diferencial positivo. Bowe, engenheira aeroespacial que trabalhou na NASA, é fundadora de uma empresa de tecnologia voltada à educação científica. Nguyen é uma ativista de direitos civis indicada ao Prêmio Nobel da Paz.

A Blue Origin destacou ainda o caráter reutilizável da nave New Shepard como um avanço tecnológico que pode reduzir os custos e democratizar o acesso ao espaço no futuro.

Críticas ao caráter “histórico” da missão

Apesar do simbolismo, muitos especialistas e comentaristas apontaram que a NS-31 teve pouco ou nenhum valor científico. Ao contrário das missões conduzidas por agências como a NASA, o objetivo do voo foi puramente turístico, com a tripulação vivenciando alguns minutos de ausência de gravidade e observando a Terra do alto — experiências consideradas de impacto limitado para a exploração espacial.

A escolha de figuras públicas como Katy Perry e Lauren Sánchez, sem formação técnica na área, levantou questionamentos sobre mérito e representatividade. A crítica mais frequente é de que o voo serviu mais como uma ação promocional do que como um verdadeiro passo para a inclusão de mulheres na ciência.

“Elas são como especialistas em carga útil com especialidade em marketing de foguetes privados”, escreveu Amanda Hess no The New York Times.

Contexto político e apagamento institucional

A crítica também se intensificou diante do contexto político nos Estados Unidos. Enquanto a missão era celebrada, a NASA vinha sendo alvo de uma “limpeza” de referências a políticas de diversidade, equidade e inclusão. Desde o início do ano, imagens de mulheres e pessoas negras foram removidas de sites e corredores da agência, e a meta de levar a primeira mulher e a primeira pessoa negra à Lua foi retirada da descrição oficial do programa Artemis, sob ordens do governo Trump.

Esse contraste acentuou a percepção de que o voo da Blue Origin — ainda que com intenções positivas — obscurece a luta histórica por espaço para mulheres e minorias na ciência, ao substituir conquistas institucionais por ações midiáticas de bilionários.

Elitismo e o custo do turismo espacial

Outro ponto de crítica foi o caráter elitista da missão. Os voos da Blue Origin custam entre US$ 200 mil e US$ 1 milhão por assento, valor considerado inacessível para a maioria das pessoas. Embora não se saiba se Katy Perry e outras celebridades pagaram pelas passagens, especula-se que tenham sido convidadas — o que reforça a narrativa de privilégio e exclusividade.

“Se Jeff Bezos pode mandar Katy Perry ao espaço, ele pode pagar impostos para garantir saúde gratuita a todos os americanos”, escreveu a ativista Nina Turner nas redes sociais.

Memes e reações sarcásticas dominaram a internet, com usuários ironizando o glamour da missão e o discurso de empoderamento, enquanto celebridades como Olivia Munn, Emily Ratajkowski e Amy Schumer criticaram diretamente o evento.

Entre inspiração e espetáculo

Apesar do tom geral de desconfiança, a missão NS-31 reacendeu discussões sobre quem deve ter acesso ao espaço e como tornar a ciência mais inclusiva sem cair no marketing performativo. Para algumas jovens e fãs, ver mulheres diversas em um foguete — ainda que em um voo curto e simbólico — pode ser um ponto de partida para sonhar com o universo.

A dúvida que persiste é: até que ponto um feito “histórico” se sustenta apenas pela sua novidade, sem um legado científico ou social concreto? A resposta parece estar em disputa — entre os aplausos, os memes e as interrogações deixadas no rastro do foguete da Blue Origin.

Fontes

https://canaltech.com.br/espaco/saiba-quanto-custa-o-voo-espacial-da-blue-origin-e-se-katy-perry-pagou-tudo-isso/
https://epocanegocios.globo.com/tecnologia/noticia/2025/04/voce-voaria-em-uma-nave-da-blue-origin-veja-quanto-custa-a-viagem-ao-espaco-feita-por-kate-perry-e-lauren-sanchez.ghtml
https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2025/04/katy-perry-vai-ao-espaco-com-tripulacao-feminina-na-blue-origin-de-jeff-bezos-veja-detalhes.shtml
https://oantagonista.com.br/entretenimento/blue-origin-levara-katy-perry-ao-espaco/
https://www.infomoney.com.br/mundo/katy-perry-vai-ao-espaco-com-tripulacao-100-feminina-veja-quem-vai-e-como-assistir/
https://www.bol.uol.com.br/entretenimento/2025/04/14/katy-perry-no-espaco-veja-detalhes-da-viagem-em-foguete-da-blue-origin.htm
https://futurism.com/the-byte/katy-perry-space-trip-blue-origin-backlash
https://futurism.com/the-byte/girlbosses-backlash-space-trip
https://www.theverge.com/2025/03/13/nasa-women-dei-purge-backlash
https://404media.co/nasa-women-scrubbed-dei-directive/

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