Nos últimos anos, o tema dos fenômenos aéreos não identificados (UAPs, sigla em inglês para Unidentified Aerial Phenomena, popularmente conhecidos como OVNIs) tem ganhado cada vez mais destaque na mídia e nas discussões públicas. Entretanto, foi a incansável persistência de John Greenwald, fundador do site The Black Vault, que trouxe à luz documentos cruciais do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DoD), confirmando a existência do Programa Avançado de Identificação de Ameaças Aeroespaciais (AATIP), também conhecido como o “programa secreto do Pentágono para a busca de OVNIs”.
Esses documentos, obtidos após uma batalha legal que durou mais de três anos, contradizem declarações anteriores do DoD e levantam sérias questões sobre a transparência e a integridade das informações divulgadas ao público. Para entender a importância dessa revelação e os detalhes do que foi descoberto, é essencial explorar todo o contexto que envolve o AATIP, o papel de Luis Elizondo, e os desafios enfrentados por Greenwald para obter esses registros.
O Que é a FOIA e Por Que Ela é Importante?
Antes de nos aprofundarmos nos detalhes do caso, é crucial entender o que é a Lei de Liberdade de Informação, conhecida como FOIA (Freedom of Information Act). Criada em 1967, a FOIA é uma legislação dos Estados Unidos que permite a qualquer pessoa solicitar acesso a documentos federais, obrigando o governo a liberar informações, desde que não estejam classificadas como sigilosas por razões de segurança nacional, privacidade pessoal, ou outros motivos legais. A FOIA é uma ferramenta poderosa para jornalistas, pesquisadores, e cidadãos comuns que buscam entender melhor as operações do governo e garantir a transparência.
Foi com base na FOIA que John Greenwald, em 5 de maio de 2021, apresentou um pedido ao DoD para acessar comunicações específicas relacionadas ao AATIP, especialmente aquelas entre Luis Elizondo, ex-agente de contra-inteligência do DoD, e Neill Tipton, um alto funcionário do DoD. Este pedido era parte de um esforço contínuo de Greenwald para desmascarar as operações e a real extensão do AATIP, que há muito tempo vinha sendo negado ou minimizado pelo Pentágono.
A Criação e o Propósito do AATIP
O Programa Avançado de Identificação de Ameaças Aeroespaciais (AATIP) foi criado em 2007, com financiamento do Congresso dos EUA, e tinha como principal objetivo investigar “tecnologias além da próxima geração” nas áreas de elevação, propulsão, camuflagem e efeitos em seres humanos. Além disso, o AATIP coletava informações sobre “sistemas aéreos inexplicáveis ou desconhecidos” de várias componentes do DoD. Esses sistemas, que incluíam desde drones avançados até objetos voadores não identificados, eram analisados para determinar se representavam alguma ameaça à segurança nacional dos EUA.
O programa foi mantido em grande segredo, e a maioria das informações sobre o AATIP só começou a emergir após Luis Elizondo, que alegava ser o diretor do programa, renunciar ao seu cargo no DoD em 2017 e decidir falar publicamente sobre suas experiências. Elizondo alegou que o AATIP estava investigando fenômenos aéreos que poderiam desafiar as capacidades tecnológicas conhecidas, incluindo objetos que exibiam acelerações e manobras que não poderiam ser explicadas por qualquer aeronave convencional.
Luis Elizondo: O Homem por Trás do AATIP
Luis Elizondo é uma figura central em toda essa história. Ele serviu como agente de contra-inteligência no Departamento de Defesa dos EUA e, segundo ele, liderou o AATIP desde sua criação até sua renúncia em 2017. Elizondo começou a ganhar atenção internacional após sua participação em reportagens e documentários que destacavam as atividades do AATIP e os avistamentos de OVNIs por pilotos da Marinha dos EUA.
Elizondo alega que deixou o DoD devido à frustração com a falta de atenção que o alto escalão do Pentágono dava às descobertas do AATIP. Ele se tornou um forte defensor da divulgação pública de informações sobre OVNIs e UAPs, argumentando que esses fenômenos podem representar ameaças significativas à segurança nacional que precisam ser levadas a sério. No entanto, suas afirmações foram repetidamente negadas pelo DoD, que insistia que Elizondo nunca teve um papel oficial no AATIP e que o programa havia sido descontinuado anos antes.
O Pedido FOIA e a Resposta Inicial do DoD
Quando John Greenwald submeteu seu pedido FOIA em maio de 2021, ele buscava especificamente comunicações entre Elizondo e Tipton que mencionassem termos como “AATIP”, “UAP” e “sistemas aéreos inexplicáveis”. O DoD respondeu em dezembro do mesmo ano, afirmando que “nenhum registro foi encontrado”. Esta resposta gerou frustração imediata, pois Greenwald estava convencido de que tais registros existiam, baseando-se em informações de fontes confiáveis e em sua própria pesquisa extensiva sobre o AATIP.
Greenwald, então, apresentou uma apelação um dia após receber a resposta negativa do DoD, argumentando que a busca conduzida pelo Departamento havia sido inadequada e que os registros solicitados de fato existiam. Sua apelação foi aceita em fevereiro de 2022, e o caso foi remetido de volta ao DoD para uma nova busca. No entanto, a partir desse ponto, o processo tornou-se ainda mais complicado e frustrante.
As Dificuldades na Busca pelos Documentos
Mesmo após a aceitação da apelação, o DoD demorou quase um ano para reconhecer oficialmente a reabertura do caso. Foi somente em agosto de 2023 que Greenwald recebeu uma confirmação de que o caso havia sido reaberto e estava sendo revisado. Durante esse período, ele enfrentou uma série de obstáculos burocráticos, incluindo a falta de comunicação clara do DoD e o tratamento negligente do pedido.
Em março de 2024, o DoD finalmente informou que havia localizado dois documentos relacionados ao pedido de Greenwald, mas ambos estavam parcialmente redigidos. No entanto, os documentos só foram entregues a Greenwald em agosto de 2024, marcando mais de três anos desde o início de sua batalha para obter essas informações.
O Conteúdo dos Documentos Revelados
Os documentos que John Greenwald finalmente conseguiu obter incluem um memorando crucial redigido por Luis Elizondo em 2017. Este memorando, endereçado ao alto escalão do DoD, descreve o AATIP como um programa focado em “tecnologias além da próxima geração” e em “sistemas aéreos inexplicáveis ou desconhecidos”. Ele também destaca que o DoD continuava a considerar o AATIP uma prioridade, especialmente devido aos avanços recentes em plataformas de vigilância aérea não tripuladas (UAS).
Este memorando contradiz diretamente as declarações anteriores do Pentágono, que insistiam que Elizondo não tinha envolvimento oficial com o AATIP e que o programa havia sido encerrado. A revelação de que o DoD continuava a coletar informações sobre UAPs e outras ameaças aéreas anômalas indica que o AATIP, ou algo semelhante, estava ativo até pelo menos 2017.
Redações Misteriosas e Justificativas Questionáveis
Apesar da importância do que foi revelado, partes significativas dos documentos foram redigidas pelo DoD. Isso inclui trechos que mencionam o AATIP, mesmo que essas informações já estivessem disponíveis publicamente através de outras fontes. O DoD justificou essas redações com base na “exceção do processo deliberativo” (deliberative process exemption), uma cláusula da FOIA que permite ao governo esconder informações que fazem parte de discussões internas. No entanto, essa justificativa foi amplamente criticada por Greenwald e outros especialistas, que argumentam que o DoD estava abusando dessa cláusula para esconder informações que deveriam ser públicas.
Uma das partes mais controversas dessa revelação é que o DoD aparentemente redigiu referências ao AATIP em 2024, mesmo após o memorando ter sido parcialmente divulgado anteriormente em outros contextos. Essa ação levanta sérias dúvidas sobre a maneira como o DoD lida com solicitações FOIA, especialmente em casos que envolvem questões sensíveis como os UAPs.
Implicações para o Debate sobre OVNIs
A liberação desses documentos tem implicações profundas para o debate em curso sobre OVNIs e a transparência do governo dos EUA em relação a esse tema. Por um lado, os defensores da divulgação, como Elizondo e Greenwald, veem esses documentos como uma prova clara de que o governo tem conhecimento de fenômenos aéreos que não pode explicar e que esses fenômenos representam uma potencial ameaça à segurança nacional.
Por outro lado, os céticos argumentam que esses documentos não provam que o AATIP era um programa oficialmente financiado para estudar OVNIs, e que Elizondo pode ter exagerado seu papel no programa. Essa divisão reflete a crescente polarização do debate sobre OVNIs, onde algumas pessoas acreditam firmemente que o governo está escondendo
a verdade, enquanto outras acreditam que as alegações sobre OVNIs são exageradas ou mal interpretadas.
A Reação do Pentágono e de Luis Elizondo
Até o momento da publicação deste artigo, o Pentágono não havia respondido às perguntas de John Greenwald sobre as inconsistências nas suas respostas FOIA, incluindo por que o DoD inicialmente negou a existência dos documentos e por que houve redações em informações já públicas. Essa falta de resposta apenas aumenta as suspeitas de que o DoD está tentando esconder algo.
Por outro lado, Luis Elizondo se manifestou publicamente sobre a liberação dos documentos, agradecendo ao The Black Vault por sua persistência e afirmando que esses documentos confirmam a existência e a importância do AATIP. Em uma declaração enviada ao The Black Vault, Elizondo disse: “Graças à contínua busca pelos fatos do The Black Vault, o DoD não teve escolha a não ser admitir o óbvio: o AATIP era um programa real e financiado, e o UAP é um tema de clara importância para a segurança nacional.”
Elizondo também expressou preocupações sobre a falta de transparência do governo e o risco de que informações importantes continuem escondidas do público. Ele concluiu dizendo que é essencial que mais pessoas demandem a verdade para garantir que informações relevantes sobre UAPs e outras ameaças sejam divulgadas de forma transparente.
O Futuro do Debate sobre UAPs e Transparência Governamental
A revelação desses documentos é apenas o mais recente capítulo em uma longa e controversa história sobre o envolvimento do governo dos EUA com o estudo de OVNIs e UAPs. Embora os documentos confirmem alguns dos aspectos do AATIP que Elizondo e outros já haviam discutido publicamente, eles também levantam novas perguntas sobre a extensão e a natureza das investigações do governo sobre esses fenômenos.
O caso de John Greenwald e The Black Vault destaca a importância do jornalismo investigativo e do uso de ferramentas legais como a FOIA para exigir transparência do governo. Em um momento em que a confiança pública nas instituições está em declínio, casos como este são fundamentais para garantir que o público tenha acesso a informações que podem ter implicações significativas para a segurança nacional e a compreensão de fenômenos aéreos inexplicáveis.
À medida que mais informações são reveladas, é provável que o debate sobre OVNIs e UAPs se intensifique ainda mais, com novas descobertas potencialmente mudando a maneira como entendemos o mundo ao nosso redor. Enquanto isso, o trabalho de Greenwald e outros investigadores continuará a ser crucial para trazer à tona a verdade, seja ela qual for.
Para acessar os documentos originais e obter mais detalhes, visite o site The Black Vault.