Dois estudos revisados por pares liderados pela astrônoma sueca Beatriz Villarroel indicam que objetos altamente refletivos foram registrados orbitando a Terra antes do lançamento do Sputnik, em 1957. As descobertas sugerem ainda uma correlação entre esses eventos e testes nucleares atmosféricos realizados durante a Guerra Fria. A reação da comunidade científica foi imediata — com críticas, ridicularização pública e acusações de censura e destruição deliberada de evidências históricas.


Um passado que não deveria existir

Os estudos de Villarroel fazem parte do VASCO Project (Vanishing & Appearing Sources during a Century of Observations), que investiga anomalias em placas fotográficas astronômicas antigas.
Essas placas, feitas entre 1949 e 1957 pelo Observatório Palomar, na Califórnia, são registros físicos de vidro cobertos por emulsão fotossensível — tecnologia padrão da época para mapear o céu noturno.

Ao comparar essas imagens históricas com catálogos modernos, como o Gaia, os pesquisadores identificaram pontos luminosos — chamados transientes — que aparecem em uma exposição e desaparecem completamente nas seguintes, sem correspondência com estrelas, planetas ou asteroides conhecidos.

Em algumas fotografias, três ou mais transientes surgem simultaneamente e em alinhamentos geométricos, algo que, segundo os autores, não pode ser explicado por defeitos de emulsão ou poeira.
Esses eventos foram registrados anos antes do Sputnik, o primeiro satélite humano, lançado apenas em outubro de 1957.


Milhares de eventos “impossíveis”

O levantamento inicial contabilizou mais de 100 mil transientes no hemisfério norte.
Mesmo aplicando filtros rigorosos — descartando arranhões, rachaduras e artefatos químicos —, o grupo estima que dezenas de milhares de eventos autênticos permanecem sem explicação convencional.

Convertendo para métricas astronômicas, trata-se de uma taxa aproximada de um evento por grau quadrado por hora, equivalente a cerca de 15 mil ocorrências por ano de fenômenos luminosos pontuais, intensos e fugazes — em um período histórico no qual, oficialmente, não existia lixo espacial nem satélites artificiais.


O teste da sombra da Terra

Um dos pontos mais fortes dos estudos é o chamado teste da sombra da Terra (Earth’s shadow test).
A lógica é simples: se os flashes observados são reflexos do Sol em objetos metálicos ou planos, eles não deveriam ocorrer dentro da sombra projetada pela Terra no espaço.
Já defeitos de emulsão, ao contrário, apareceriam de forma aleatória em toda a imagem.

Ao cruzar coordenadas, horários de exposição e a posição da sombra terrestre, Villarroel observou que os transientes evitam sistematicamente a região de sombra.
Esse comportamento é compatível com reflexos solares em superfícies físicas e extremamente refletivas, mas incompatível com falhas químicas aleatórias.

Em outras palavras: os flashes se comportam como espelhos orbitais, e não como manchas acidentais.


A ligação nuclear

O segundo estudo de Villarroel aprofunda a investigação ao cruzar as datas e locais dos transientes com registros de testes nucleares atmosféricos e relatos de fenômenos aéreos anômalos.
O resultado mostrou um aumento de até 45% na ocorrência desses eventos durante janelas de testes, e até 68% no dia seguinte às detonações.

Para os autores, as correlações são estatisticamente significativas.
Eles não afirmam que se tratam de “naves” ou “artefatos não humanos”, mas sustentam que há um padrão de interação entre atividades nucleares e aparições luminosas inexplicadas — o mesmo tipo de associação relatada em bases militares e silos atômicos desde a década de 1950.


A resposta imediata: “é defeito na placa”

A reação da comunidade científica foi imediata e, em muitos casos, hostil.
Os pesquisadores Nick Hambly e Steven Blair publicaram um artigo afirmando que os transientes são apenas defeitos na emulsão fotográfica.
Segundo eles, o brilho e o perfil de luz seriam consistentes com bolhas químicas ou riscos microscópicos.

Villarroel rebate: “Esses padrões não são aleatórios. São múltiplos, alinhados, e com fotometria idêntica à de estrelas reais.”
Os críticos, porém, evitam comentar a coincidência geométrica e o déficit dentro da sombra da Terra — justamente os elementos mais difíceis de explicar por defeito físico.


O argumento da replicação

O divulgador cético Mick West afirmou que o padrão-ouro da ciência é a “replicação independente” e que os estudos de Villarroel não atendem a esse critério.
Ele ironizou o cientista Garry Nolan, de Stanford, que saiu em defesa da astrônoma, dizendo que ela “não entende o método científico”.

Nolan respondeu publicamente:

“Múltiplas placas mostrando o mesmo tipo de evento são replicação.
Os dados são abertos e podem ser verificados.
Se querem replicar, basta fazer o trabalho.”

O embate se tornou um símbolo da tensão entre ceticismo legítimo e ceticismo performático — aquele que exige novos testes, mas se recusa a realizá-los.


O padrão da “negação instantânea”

Pesquisadores e jornalistas que acompanham o caso apontam um fenômeno recorrente: a explicação apressada.
Sempre que um novo registro anômalo surge, uma justificativa é oferecida antes que o dado seja analisado.
Drones, balões, falhas ópticas, inversão térmica — qualquer hipótese basta para rotular o caso como “resolvido”.

“Basta dizer que foi desmentido, e a maioria aceita”, ironizou Jeremy Corbell no podcast Weaponized.

Esse comportamento, segundo Villarroel, não é ciência, é controle de narrativa.


“Meus amigos” e o custo de romper o silêncio

Apesar da pressão, a astrônoma afirma não estar sozinha.
Ela conta com um pequeno grupo de cientistas e colaboradores — que chama de “meus amigos” — dispostos a revisar os dados, buscar registros militares e confrontar o tabu em torno do tema UAP dentro da academia.
Muitos deles evitam aparecer publicamente por medo de retaliação institucional, mas trabalham com ela na validação cruzada dos achados.

Mesmo assim, a resistência mais dura veio de dentro.
Villarroel revelou que parte dos próprios colegas tentou dissuadi-la de seguir adiante.
Segundo ela, alguns amigos a advertiram de que estaria “arruinando a própria carreira” ao publicar sobre transientes e possíveis artefatos em órbita pré-Sputnik.

“Alguns dos meus próprios amigos me disseram: ‘Você vai arruinar a sua carreira se continuar com isso.’ Eles estavam tentando me proteger, eu entendo. É assim que o sistema funciona: se você toca no tema OVNI, ninguém te convida mais, ninguém te financia, ninguém te cita. Mas eu não posso fingir que não vi o que está nas placas. Eu não conseguiria me olhar no espelho se fizesse isso. Se o custo da verdade for minha carreira, então que seja.”
Beatriz Villarroel

A frase sintetiza o conflito central do caso: entre o medo de perder a carreira e o dever de registrar o que a ciência vê, mesmo quando não entende.


Censura e destruição de evidências

A repercussão também trouxe à tona o histórico de apagamento deliberado de dados astronômicos.
Vários pesquisadores citam o episódio envolvendo Donald Menzel, ex-diretor do Observatório de Harvard e figura-chave no movimento de desacreditar estudos sobre OVNIs nos anos 1950.
Sob sua gestão, grande parte das placas fotográficas e livros de registro foi destruída — um ato justificado como “redução de acervo”, mas interpretado por colegas como eliminação de material potencialmente embaraçoso.

Décadas depois, o padrão se repetiria de forma mais sutil.
Missões da NASA cortam transmissões ao vivo quando objetos não identificados entram no quadro; imagens prometidas desaparecem de bases públicas; dados são classificados como “anomalias instrumentais” e removidos.
A Força Espacial norte-americana (Space Force) mantém listas de “alvos não correlacionados” — objetos detectados em radar que não correspondem a nenhum satélite conhecido —, mas esses registros são filtrados antes de chegar à comunidade civil.

Para Villarroel e outros cientistas interessados no tema, isso configura uma forma moderna de censura.
Os dados não são negados — são invisibilizados.


A pergunta inevitável: por que a NASA ainda não resolveu isso?

Setenta anos depois das placas do Palomar, a humanidade tem telescópios de altíssima resolução, satélites capazes de rastrear objetos de alguns centímetros em órbita e sistemas civis e militares que monitoram cada grama de lixo espacial.
Hoje, bastaria uma análise dedicada, com sensores ópticos e infravermelhos, para confirmar se ainda há objetos altamente refletivos cruzando a sombra da Terra como os registrados nos anos 1950.

Mas essa verificação nunca foi feita oficialmente.
E se foi, os resultados nunca foram tornados públicos.

A própria Beatriz Villarroel já afirmou em entrevistas que “a NASA poderia resolver isso em dias”, bastando comparar imagens modernas — das missões NEOSSat, SkySat ou mesmo do telescópio Hubble — com as coordenadas dos eventos antigos.
Segundo ela, o problema não é tecnológico, é institucional:

“Não há falta de instrumentos, há falta de vontade.”

Fontes ligadas a pesquisadores independentes dizem que qualquer equipe civil com acesso ao catálogo não filtrado do Space-Track (o banco militar que lista todos os objetos rastreados) poderia fazer um cruzamento automatizado e identificar se há alvos que brilham e desaparecem no mesmo padrão geométrico observado nas placas de 1952.
Mas os dados completos de “alvos não correlacionados” — os mesmos que a Space Force reconhece existir — não são públicos.

Ou seja: a tecnologia para verificar a hipótese existe e está em mãos governamentais.
O que falta é transparência e autorização política.
Para Villarroel e outros pesquisadores do VASCO, isso é o verdadeiro escândalo:
a ciência moderna poderia resolver, mas escolhe não olhar.


O elo com o presente

A astrônoma defende que esses “alvos não correlacionados” modernos podem ser os mesmos tipos de fenômenos observados nas placas de 70 anos atrás.
Seu grupo busca acesso a essas listas militares para aplicar o mesmo teste da sombra da Terra e verificar se o padrão de brilho e intermitência é o mesmo.
Se confirmado, isso significaria continuidade temporal: os mesmos tipos de objetos, observados desde antes da era espacial, ainda estariam aqui.


O medo como método

Entre os temas mais incômodos revelados pelo caso está o poder disciplinador do medo na ciência moderna.
Para muitos pesquisadores, o risco de ridicularização pública e o medo de perder recursos funcionam como um filtro invisível.
Investigar o “inexplicável” pode custar a reputação — e isso basta para manter as anomalias longe das revistas e das salas de aula.

“A censura moderna não precisa de um censor.
Ela acontece quando os próprios cientistas aprendem o que não podem estudar.”
Beatriz Villarroel


O que está em jogo

O caso Villarroel vai muito além da discussão sobre placas fotográficas antigas.
Ele expõe um conflito ético e estrutural na ciência contemporânea:
quem decide o que merece ser investigado e o que deve ser esquecido.

Se os transientes forem apenas defeitos químicos, nada muda.
Mas se parte deles for realmente reflexo de artefatos tecnológicos em órbita antes de 1957 — e se as correlações nucleares forem confirmadas —, a história da era espacial e o entendimento sobre o fenômeno UAP precisarão ser reescritos.

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