Na manhã de 16 de setembro de 2025, a Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública inédita para discutir a relação entre ufologia, Lei de Acesso à Informação (LAI) e os impactos para a sociedade e a soberania. Presidida por Chico Alencar (PSOL-RJ), a sessão reuniu expoentes da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) e abriu espaço para intervenções do público. Abaixo, o relato extenso, fiel e em ordem dos acontecimentos que marcaram o debate.
Abertura: críticas externas, rito do debate e defesa da transparência
Chico Alencar abriu a sessão explicando que a audiência nasceu do Requerimento 66/2025, agradeceu a equipe técnica e reforçou a participação social pela página da comissão. Em seguida, tratou das críticas públicas que circularam nas redes. Leu, nominalmente, trechos do filósofo Vittor Andrade e do divulgador científico Sérgio Sacani, que classificaram o encontro como “circo” e “anticiência”. O deputado rebateu com firmeza e pautou o tom do encontro:
“Eu quero muito que as coisas aqui sejam debatidas, discutidas com transparência. Isso é próprio da democracia. (…) Não tá tudo programado para virar um circo.”
Também esclareceu logística e custos:
“Nenhum convidado está aqui às expensas da comissão. Quem não é do Rio e veio, veio por sua própria conta.”
No plano institucional, Chico listou requisições de informação já feitas às Forças Armadas e apontou o acervo público existente:
“Temos hoje mais de 10 mil páginas de documentos e outros tipos de informações recolhidos e sob a guarda do Arquivo Nacional (…) com classificações de sigilo que vão de reservado a ultrassecreto. Em muitos casos, o Ministério da Defesa apenas lista os documentos e o prazo de sigilo, sem explicar por que foram classificados.”
Com isso, o presidente emoldurou o foco central do encontro: transparência via LAI, segurança e soberania, além de ciência e interesse público.
Formação da mesa
Chico compôs a mesa com representantes da ufologia brasileira e registrou a presença feminina na CBU, garantindo prioridade de fala no debate:
- Thiago Luiz Ticchetti (editor da Revista UFO)
- Vitório Pacaccini Tavares Paes (Caso Varginha)
- Marco Antônio Petit de Castro (presidente da CBU)
- Fernando de Aragão Ramalho (vice-presidente da CBU)
Thiago Luiz Ticchetti: linhas do tempo, vídeos oficiais e “direito à verdade”
Ticchetti apresentou um panorama internacional com as audiências do Congresso dos EUA em 2022, 2023 e 2025, citando David Grusch, David Fravor, Ryan Graves, Jeffrey Nell, Dylan Bolland e Alejandro Wiggins, além do conjunto de vídeos “UAP” do Pentágono. Um dos pontos de maior impacto foi a exibição do vídeo de outubro de 2024, quando um drone MQ-9 lança um míssil contra um objeto sobre o mar, sem efeito destrutivo aparente:
“Você pode perceber que o míssil vai atingir o objeto e ele continua soltando três fragmentos. (…) O Pentágono até agora não tem uma explicação. (…) Até agora é um legítimo objeto voador não identificado.”
Ele também organizou a cronologia de casos clássicos próximos a instalações sensíveis: Malmstrom 1967, Rendlesham 1980, Tic-Tac 2004 e ocorrências com manobras “além da tecnologia conhecida”. Fechou com a tese central da audiência:
“A investigação ufológica deve caminhar junto com a LAI. O direito à informação é constitucional e garante transparência, ciência e democracia. Negar acesso a dados é negar cidadania.”
Vitório Pacaccini Tavares Paes: Varginha, testemunhos e “quem venceu foi a ufologia”
O pesquisador mineiro reconstruiu a trajetória do Caso Varginha (1996), suas fontes em Três Corações e o trabalho de campo com o grupo Cicoan. Defendeu que o caso brasileiro “supera Roswell” em vários aspectos e acusou o uso deliberado do ridículo como tática de desinformação. Em um trecho que marcou o plenário, Pacaccini afirmou:
“Varginha (…) já até superou o Caso Roswell. Eu venho aqui de peito aberto. Eu não estava com medo de nada em 1996. Não estou com medo de nada em 2025. (…) Eles falharam. Quem venceu foi a ufologia brasileira.”
Ao citar testemunhos civis e militares, insistiu que não eram animais, não eram enganos e que houve operação oficial com condutas que precisariam ser esclarecidas.
Marco Antônio Petit de Castro: “direito de saber” e o UFO em Brasília
Petit resgatou a história da CBU desde o início dos anos 2000, relatou reuniões no Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro e uma cena em que militares mostraram detecção em tempo real:
“Presenciamos ao vivo um UFO no telão do sistema que vigia o Brasil inteiro. O brigadeiro Ateneu Azambuja disse: ‘Vocês podem ver agora um UFO sendo detectado, passando exatamente por cima de Brasília’.”
No eixo institucional, Petit foi categórico:
“Esse acobertamento exige abertura sem restrições. Temos o direito de saber tudo sobre as ocorrências que marcaram as manifestações do fenômeno UFO em nosso país.”
Fernando de Aragão Ramalho: avanços, recuos e a “janela política” perdida
Ramalho descreveu a trajetória de pressão institucional, inclusive a reunião inédita no Ministério da Defesa em 2013, quando se discutiu um grupo de trabalho tripartite:
“Discutimos a criação de um grupo de trabalho envolvendo militares das três Forças Armadas e a CBU. Esse grupo não seguiu em frente por motivos políticos. (…) Ficamos num limbo de quase oito anos.”
A fala reforçou um ponto central da audiência: sem continuidade política e pressão social, a pauta arrefece.
Intervenções do público e a polêmica com Victor Rattes
A audiência abriu o microfone para cidadãos. Entre os inscritos, Victor Rattes, coordenador do MBL, fez críticas superficiais ao encontro e foi duramente rebatido em plenário, gerando um momento de tensão. Chico resumiu o episódio com ironia:
“O mundo de hoje, além dos objetos não identificados, tem também os cortes dos likes. Ele aproveitou bem o espaço da grande aspas ‘palhaçada’ que a gente fez aqui.”
Houve também perguntas e observações de outros participantes, o que reforçou o caráter democrático do encontro e o interesse social pela pauta.
A LAI no centro: o que já existe e o que falta
Pela fala de Chico, há um estoque considerável de documentos sobre ocorrências aéreas, preservado no Arquivo Nacional. O problema central é o silêncio argumentativo que acompanha a classificação de sigilo: muitos registros informam que são sigilosos, por quanto tempo e com qual “carimbo”, sem dizer por que são sensíveis. É exatamente aqui que a LAI precisa ser acionada com rigor: descrição de dano real pela divulgação, interesse público prevalente e reavaliação periódica das classificações. A audiência defendeu a prática de requerimentos mais objetivos e o acompanhamento sistemático das respostas.
Convergências internacionais: EUA, AARO e licenças orçamentárias
A exposição de Ticchetti também chamou atenção para dois elementos que conectam o debate brasileiro ao norte-americano:
- A institucionalização da investigação com órgão dedicado (AARO) que recebe relatos, vídeos e dados de radar e publica pareceres oficiais.
- O problema do “black budget”: linhas opacas de financiamento em defesa e inteligência que escapam ao escrutínio parlamentar direto, o que exige controle externo mais robusto e hipóteses alternativas para eventos sem explicação.
Fecho de Chico Alencar: pluralismo e ciência sem dogma
Ao encerrar, o presidente agradeceu participantes, reforçou a natureza plural do Parlamento e resumiu o espírito do encontro:
“Nada mais havendo a tratar, agradeço novamente a todos os participantes, inclusive os que participaram indiretamente, independentemente das suas opiniões. (…) Acho que a explicação do mundo não se encerra na ciência. Não sou dogmático.”
Por que este foi um primeiro passo importante
- Reconhecimento oficial do tema na Casa do Povo, com ênfase em soberania, defesa, ciência e direito à informação.
- Validação do uso da LAI para reduzir o espaço do sigilo sem justificativa material.
- Alinhamento com boas práticas internacionais, que hoje tratam UAPs como assunto de governança, não como curiosidade.
- Janela política para avançar requerimentos, novas audiências e protocolos interinstitucionais entre Parlamento, Defesa, órgãos de controle e Arquivo Nacional.
Se não houver cobrança pública, a pauta perde tração. A mensagem das falas mais contundentes foi inequívoca: transparência agora e abertura progressiva de acervos. Como disse Petit, o momento exige “abertura sem restrições” e como cravou Ticchetti, “negar acesso a dados é negar cidadania”.
Guia prático: como cobrar seus representantes e manter o tema vivo
Objetivo: pressionar por novas audiências, requerimentos de informação específicos, relatórios periódicos e revisão de sigilos.
- Fale com os deputados da CLP e da Defesa
- Envie mensagem curta e direta por e-mail, formulário do site da Câmara e redes sociais.
- Peça: continuidade da pauta, reapreciação de sigilos, cronograma de novas sessões, convites a representantes das Forças Armadas e do Arquivo Nacional.
- Modelo de mensagem rápida para copiar e colar:
“Sou eleitor e peço que a Câmara mantenha audiências sobre UAPs, reforce a aplicação da LAI e cobre do Ministério da Defesa a justificativa de sigilos. Solicito novo calendário de sessões, presença de militares e relatório público das respostas recebidas.”
- Acompanhe e participe pela página da CLP
- Busque a página do colegiado e o evento correspondente. Na área de participação, envie perguntas e vote nas questões mais pertinentes. Isso entrou na dinâmica da sessão e influencia a mesa.
- Requerimentos com foco
- Ao demandar documentos, cite datas, locais, unidades militares, palavras-chave técnicas e tipos de registro (radar, relato de piloto, despachos de classificação). Quanto mais preciso, melhor a resposta.
- Controle social organizado
- Junte-se a associações, grupos de pesquisa e coletivos cívicos. Centralize pedidos, compartilhe respostas, gere press releases e boletins para a imprensa local. Transparência cresce com massa crítica.
- Registre e espalhe evidências confiáveis
- Use os acervos públicos já liberados e destaque lacunas. Evite material duvidoso. Credibilidade é o combustível da pauta.