Dois levantamentos recém-publicados pelo The Black Vault revelam novas peças de um quebra-cabeça que há anos intriga pesquisadores: como o Departamento de Defesa arquiva, interpreta e responde a documentos ligados às narrativas sobre programas de investigação de tecnologia não identificada. As informações chegam em meio a um cenário já sensível para o tema, criando um contraste curioso entre o que aparece nos registros públicos e o que desaparece deles.
O primeiro caso envolve um encontro marcado no calendário oficial de Neill Tipton, então diretor de Inteligência de Defesa para Coleta e Programas Especiais, em 28 de agosto de 2017. A anotação é clara: “SAP Coordination Meeting (UNCLASSIFIED) — Luis, 571-2393”, número que corresponde ao ramal listado por Luis Elizondo em seu formulário para liberar os vídeos FLIR1, Gimbal e GoFast naquele mesmo ano. Embora a existência desse registro tenha sido confirmada em 2020, a resposta enviada agora pelo Pentágono afirma que nenhum documento relacionado ao encontro existe nas bases consultadas. Segundo a agência, se tais registros estivessem ativos, a busca deveria tê-los localizado.
O estranhamento aumenta quando os documentos já tornados públicos são colocados lado a lado. E-mails entre Tipton e Elizondo mostram que, nos dias que antecederam a data do encontro, os dois discutiam agendas, detalhavam um “esforço sutil” que Elizondo dizia estar conduzindo dentro do Departamento e citavam orientação do “front office” do secretário de Defesa. Em setembro, semanas após o encontro marcado, Elizondo enviou a Tipton um rascunho de memorando sobre o AATIP, descrevendo a transferência de responsabilidades para “você e eu”. O texto foi recebido e reconhecido pelo diretor, mas jamais assinado oficialmente.
Essas trocas não provam que o encontro ocorreu nem confirmam a natureza do que estava sendo discutido, mas descrevem uma movimentação administrativa difícil de conciliar com a alegação de que não existe qualquer resquício documental sobre a reunião. A apelação apresentada pelo The Black Vault questiona exatamente essa divergência: como pode haver registros que demonstram coordenação ativa e, ao mesmo tempo, nenhum documento associado a um encontro formalmente agendado no sistema interno?
O segundo caso, também resultado de um pedido de acesso via FOIA, oferece um vislumbre raro dos bastidores da revisão de segurança aplicada a conteúdos sensíveis enviados ao Pentágono. Em janeiro de 2024, o ex-vice-secretário assistente de Defesa para Inteligência Christopher Mellon submeteu ao órgão de pré-publicação uma captura de tela contendo uma mensagem que alegava mencionar um suposto programa de recuperação de tecnologia “off-world”. O processo, porém, começou de forma incomum: sua primeira tentativa de envio, por correio, foi devolvida depois que um funcionário considerou o pacote “uma ameaça à segurança”, algo que não havia sido mencionado quando Mellon divulgou a mensagem ao público meses depois.
O conjunto de documentos revela também uma fase de tensão interna. E-mails mostram que, em fevereiro daquele ano, a equipe responsável pela revisão enfrentava atrasos, dificuldades técnicas e o acompanhamento atento do escritório de Inteligência e Segurança, além de mensagens de cidadãos cobrando agilidade. A AARO, que precisava participar da análise, também demorou a registrar suas avaliações no sistema. Mesmo assim, tanto a AARO quanto o gabinete de Inteligência deram parecer de “sem objeções”, e a autorização oficial foi concedida em 1º de março de 2024. Nada disso confirma ou invalida o conteúdo da mensagem, mas expõe o caminho que ela percorreu dentro do Departamento de Defesa antes de ser liberada.
Os dois episódios evidenciam como documentos públicos podem iluminar processos internos, mas também como podem revelar lacunas. No caso do encontro de 2017, permanece a dúvida sobre a ausência de registros de uma reunião documentada em calendário oficial. No caso de Mellon, a liberação do material mostra que o Pentágono avaliou a mensagem, discutiu sua segurança e, ainda assim, concluiu que ela não continha informações classificadas. Juntos, os arquivos sugerem que, apesar da crescente pressão por transparência, o tema continua cercado por zonas cinzentas que só ganham contornos quando esses fragmentos se tornam públicos.
Fontes:
https://www.theblackvault.com/documentarchive/pentagon-calendar-lists-an-aatip-era-meeting-but-all-supporting-records-are-missing/
https://www.theblackvault.com/documentarchive/inside-the-pentagons-review-of-christopher-mellons-alleged-ufo-crash-retrieval-text/







